Universidades se voltam para ‘fenômeno’ Lady Gaga na web

domingo, 25 de julho de 2010 |

Cristina BoeckelDo G1

Um sucesso tão expressivo não poderia passar despercebido nas universidades. A cantora Lady Gaga entrou recentemente para a história da indústria cultural como aprimeira artista a conquistar um bilhão de visualizações de seus vídeos na internet.
O clipe da música “Bad Romance” superou a marca de 249 milhões de visitas no canal da cantora, no You Tube, desde que foi lançado em novembro de 2009 – este total se refere ao dia 23 de julho de 2010, às 11h18. Mais recente, “Alejandro”, de junho deste ano, já atingiu mais de 51 milhões de espectadores – também em 23 de julho. Mas o furacão Gaga é tão veloz na internet que, quando você estiver lendo esta reportagem, todos estes números já estarão desatualizados.
No Brasil, a força da cantora na web já atrai o interesse de acadêmicos da área de Comunicação, que procuram explicar seu sucesso. Para o professor de filosofia Henrique Antoun, da Escola de Comunicação da UFRJ, Gaga sabe usar as ferramentas o que a internet oferece:
“Ela sabe usar os grupos de discussão e os instrumentos que eles oferecem, criando perfis em redes sociais, blogs onde você amarra tudo isso e até vídeos que você sobe para o YouTube e liga ao seu perfil", enumera Antoun. "Misturando todos estes canais e se movimentando bem neles, você pode começar um movimento de sucesso”.
Milhões de grupinhos agindo na rede
O professor da UFRJ chama a atenção para as diferenças entre a promoção de um artista nos diferentes meios de comunicação.
“A TV concentra, a internet subdivide, ela reparte. A internet exige uma transversalidade. Aquela coisa de um que fala para outro. A internet é um grande canal boca-a-boca. Alguém de um grupinho fala uma coisa em outro grupinho. Aí alguém desse outro grupinho fala para outro grupinho. E, de repente, em uma velocidade assustadora, aquilo se alastra e, em questão de minutos, todo mundo está falando daquilo.”
Ele completa: “A mídia de massa precisa de um público concentrado muito grande. A internet, não. E ela se baseia nesta repartição mesmo. Milhares e milhões de grupinhos pequenos, médios e grandes falando de alguma coisa. E aquilo que atravessa esses grupinhos transversalmente é o barato”.
A professora Patrícia Maurício, do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, acredita que o sucesso de Lady Gaga está relacionado com "o mundo fluido e descartável" em que vivemos.
“Eu acho que a Lady Gaga, de certa forma, acerta por estar bem no tempo dela. E esse tempo é uma coisa que vários teóricos tão estudando. A gente vive um tempo sem raiz, sem uma relação estável com as coisas e com a comunidade. Não é que no mundo de hoje isto não exista, mas é cada vez menor. Você não tem muitos laços fortes como antigamente. Tudo fica muito fluido e descartável.”
O trabalho de Lady Gaga estaria baseado nesta fragmentação. “Ela pega referência de tudo: um pedacinho daqui, um pedacinho dali, mas sem se enraizar em nada.”
Comparações inevitáveis
Assim como Madonna, Lady Gaga, cujo nome de nascimento é Stephani Joanne Angelina Germanotta, tem ascendência italiana.
Madonna utilizou o ‘boom’ dos videoclipes na TV, na década de 80, para se promover e criar polêmicas. Gaga fez com que os clipes voltassem a fazer sucesso como ferramenta de divulgação depois que a internet bagunçou os modelos de negócios da música na última década. Mas as semelhanças não param por aí.
As trajetórias profissionais das duas cantoras são outra referência para os estudos acadêmicos. Para Henrique Antoun, Madonna começou na cultura underground de Nova York e teve seguir o caminho da grande indústria para se transformar no que ela é hoje.
Lady Gaga, por outro lado, teve que se aprofundar na contracultura justamente para conseguir atingir um público de massa. Patrícia Maurício acredita que Gaga é uma versão contemporânea de Madonna, que se apoderou de ferramentas atuais.
“A Lady Gaga é uma artista com o mesmo espírito da Madonna, tenta dar uma escandalizada, apesar de hoje em dia ser quase impossível escandalizar, já que o escândalo é quase a norma. Ela traz entre as suas novidades o fato de usar os meios mais atuais. E a internet é o meio mais atual”.
Patrícia Maurício acredita que Lady Gaga e Madonna acabarão com perfis artísticos bem próximos, com a fidelidade de um público determinado : “Eu acho que ela (Gaga) tende a seguir os passos da Madonna, com uma legião de fãs que, mesmo que no futuro a música dela fique datada, as pessoas vão continuar ouvindo. Como a Madonna, que tem um público gay fiel. Eu acredito que ela vai manter este público fiel por décadas.” 
Lady GagaúchaMais do que entre professores, Lady Gaga ganhou mesmo foi o interesse dos alunos. Ela inspirou o trabalho de alunos da Faculdade de Publicidade e Propaganda da ESPM de Porto Alegre. A estudante Carolina Kuhn e outros seis estudantes tinham como missão criar um viral para a internet incentivando o turismo na capital gaúcha.
Para conseguir alcançar o objetivo, eles reuniram duas referências, o clipe de “Bad Romance”, e a letra da música “Porto Alegre é Demais”, de Isabela Fogaça.
“[Lady Gaga] era uma das pesquisas do Google mais frequentes. Aí a gente resolveu trabalhar em cima dela. Como o meu cabelo era loiro na época, eu fui a escolhida para encarnar a Lady Gagaúcha, que foi a personagem que a gente criou para trabalhar em cima dela no trabalho.”
Os jovens utilizaram o estúdio da faculdade e pagaram uma cantora profissional para cantar a canção. Carolina só dubla no vídeo. O sucesso da Lady Gagaúcha pode ser explicado não só pela referência na cantora pop, mas também por um intenso trabalho de marketing na internet:.
“A gente botou o vídeo no ar na madrugada do dia nove de junho e aí a gente mandou, de manhã, para vários blogs e tal. E, de tarde, alguns blogs daqui já postaram e começou a outros blogs começaram a falar. E até que a gente alcançou o trending topics do Twitter no Brasil por causa do nosso vídeo.”
‘Lady Gaga é a contramão total’
A professora de Comunicação da PUC-Rio Patrícia Maurício lembra que os clipes cheios de referências de outros ídolos pop são perfeitamente adequados para a exibição na internet e, também, nos equipamentos de alta definição que a indústria não para de criar:
“Ela faz parte de uma indústria cultural, ela usou a internet, que é uma ferramenta nova, para se divulgar. E ela também é conteúdo para ser veiculado na televisão.”
Antoun, por sua vez, afirma que o sucesso no mercado de entretenimento está relacionado com o fato de estar adequado com a história. O professor faz um contraponto entre o que deveria ser imagem de um astro no começo dos anos 2000, utilizando como referência Britney Spears, e nos dias de hoje, após o fim da era Bush e com as consequências da crise econômica nos Estados Unidos:
“A Lady Gaga é o avesso da Britney Spears quando ela se lançou. A Britney se lançou como uma jovem boa moça, virgem intocada, que odiava hippies e malucos de todo gênero. A Lady Gaga é o contrário: ela é a maluca de todo gênero que odeia normais, que odeia caretas e bem integrados. Ela é a contramão total. E acaba representando muito essa cultura de grupos da nossa época.”

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