Primeira banda indie do Afeganistão’ quer mostrar face diferente do país

domingo, 1 de agosto de 2010 |

Músicas que falam de amor, amizade e os conflitos normais da juventude. Refrões grudentos cantados por um vocal ligeiramente falseado. Podia ser só mais uma banda como centenas que surgem diariamente tentando um lugar ao sol no cenário pop, não fossem seus integrantes do Afeganistão, país em que, até uma década atrás, fazer um concerto de rock poderia terminar em prisão.
Formada há pouco mais de um ano, a Kabul Dreams se autointitula “a primeira banda de indie rock” do Afeganistão. “Nós dizemos ser a primeira banda indie no Afeganistão porque não conhecemos nenhuma outra. Mas não queremos dizer com isso que somos a primeira banda de rock afegã porque é um gênero vasto, que inclui muitas outras coisas que podem ser chamadas de rock”, disse em entrevista ao G1 o baixista Siddique Ahmed.
Quando a música foi praticamente banida do país, ele e os demais integrantes – o vocalista e guitarrista Sulyman Qardash e o baterista Mujtaba Habibi– viviam exilados no Paquistão, Uzberquistão e Irã. Voltaram ao país em 2002, apenas um ano depois de o país se ver livre do controle do Talibã e ser invadido pelos Estados Unidos, em 2001.
O som, que deve soar familiar para muitos, lembra o de algumas bandas que estouraram no Ocidente exatamente nesta época, influências assumidas pela banda. “Nós ouvimos uma grande variedade de bandas e, entre as que nos influenciam, estão Oasis, The Subways, Beatles, The Vines, Placebo etc”, afirma o baixista (clique aqui para ouvir faixas disponíveis da banda no site MySpace).
Mas ao contrário do que possa sugerir, “I wanna runaway”, título do último EP do trio, lançado há um mês, não trata de uma possível fuga do país, que voltou às manchetes esta semana após o vazamento de documentos secretos americanos revelarem a morte de centenas de civis.
“Nossas músicas não são nem um pouco políticas”, descarta Siddique. “Elas são sobre amor, paz, amizade, nossas vidas... os temas universais. Isso é intencional. Diferenças étnicas, religiosas, tribais e de parentesco, tudo isso tem sido usado por interesses políticos aqui. Queremos representar a juventude afegã com uma mensagem de amor, mostrar ao mundo uma face diferente do Afeganistão.”
As letras, todas em inglês, não são apenas uma estratégia para conquistar uma audiência internacional. Cada um dos integrantes é de uma região diferente do país e tem como primeiras línguas dari, pashto e uzbek. “Nós não poderíamos cantar nas três línguas porque nosso vocalista, que também compõe, só domina uma delas”, justifica o baixista.
Apresentações canceladas
Com divulgação basicamente pela internet, a banda começa a chamar a atenção e a entrar no difícil mercado de Cabul. “As rádios aqui tocam mais música pop do que rock. Mas também algum rock internacional. Nossas músicas começam a tocar em algumas emissoras e devem tocar em outras em breve”, prevê Siddique.
Embora tenha participado de um festival de rock em Nova Délhi, na Índia, em janeiro, a banda ainda não sabe se poderá atender ao convite para se apresentar na Itália no final do ano.
“Nós temos tocado apenas em Cabul e algumas apresentações no ano passado foram canceladas por problemas de segurança. Assim como outros grandes eventos e concertos nem sempre podem ser realizados aqui devido aos riscos envolvidos, tocamos apenas em eventos pequenos, como festas e alguns restaurantes. Mas ainda não recebemos nenhum tipo de ameaça direta”, descreve.
Para o baixista, a mídia pinta um retrato negativo do país, sempre associado à guerra e insurgência. “Isto não está errado, porque essas coisas estão acontecendo no Afeganistão. O problema é que nós temos uma população jovem enorme que vive sua vida aqui e nunca se fala sobre isso. Mas desde que nós começamos, as coisas mudaram um pouco, e hoje jornalistas nos perguntam sobre onde os jovens saem aqui, o que eles fazem para se divertir.”

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